Os
Solstícios e os Equinócios
António
de Macedo
«A
redenção da Terra, o seu estatuto e a sua função no futuro fazem parte da Obra
[alquímica] que compete ao 9.º grau dos Mistérios Menores [9.ª Iniciação
Menor]. Este grau é celebrado nas noites de Solstício de Inverno e de Solstício
de Verão [meia-noite], pois este ritual não pode ser realizado em nenhum outro
tempo. Os solstícios marcam o momento em que a vibração terrestre é mais
elevada, e em que os Raios Cósmicos da Vida Crística estão a entrar profundamente
(Solstício de Inverno) ou a sair definitivamente (Solstício de Verão)» (Corinne
Heline, New Age Bible Interpretation,
vol. V, 5th ed. revised, New Age Press, 1984,. pp. 87-88).
Esta
tradição esotérica é confirmada pelos antigos rituais dos Mistérios pagãos, que
os Novos Mistérios Cristãos vieram substituir e elevar de grau vibratório. Os
historiadores costumam invocar um velho almanaque romano chamado Cronógrafo, do ano 354 d. C., da autoria
de Philocalus (autor incerto), também conhecido como Calendário Philocaliano , e que cita o ano 336 como o primeiro em
que a Igreja festejou a celebração do Natal em 25 de Dezembro. Na Igreja
arménia o dia 25 de Dezembro nunca foi aceite para data do Natal, mantendo-se a
antiga tradição Iniciática de celebrar o dia 6 de Janeiro (Dia de Reis),
considerado o «12.º Dia sagrado» da tradição mistérica cristã. De acordo com a
autora rosacruciana Corinne Heline, o período de 12 dias que decorre após a
festividade solsticial do Natal, entre o dia 26 de Dezembro e o dia 6 de
Janeiro é um período de profundo significado esotérico e constitui o «coração
espiritual» do ano que vai seguir-se: é o lugar-tempo mais sagrado de cada ano
que entra, designa-se por «Os Doze Dias Sagrados» e está sob a influência
directa das Doze Hierarqias Zodiacais, que projectam sobre o planeta Terra,
sucessivamente e durante cada um desses 12 dias, um modelo de perfeição tal
como o mundo será quando a obra conjugada das Doze Hierarquias por fim se
completar (Corinne Heline, New Age Bible
Interpretation, vol. VII: «Mystery of the Christos», 6h
printing., New Age Press, 1988,. pp.
8-19).
Segundo
alguns historiadores, estaria na associação de Cristo com o «Sol de Justiça» a
escolha do Solstício de Inverno para celebrar o «nascimento do Sol invencível»,
Natalis Solis Invicti, um ritual
pagão (Saturnalia) que festejava, com
ritos de alegria e troca de prendas, desde o dia 17 de Dezembro e até ao dia
25, o momento em que o Sol «cresce», ou renasce, após o dia ter atingido a sua
duração mais curta (21-22 de Dezembro). Com efeito, nessa data o Sol atinge a
sua declinação-Sul máxima, cerca de 23º 26’, estacionando nela durante três
dias e retomando o «caminho do Norte» a partir do dia 24 ou 25.
A data de
25 de Dezembro era igualmente o data do nascimento do deus Mithra, dos
Mistérios Iranianos. Mithra era designado por «Sol de Justiça» — ou melhor.
«Sol de Justeza» —, provavelmente por alguma influência do antigo Egipto. Reza
uma antiga lenda que Moisés foi instruído e iniciado na grande Escola de
Mistérios de Heliópolis, a cidade sagrada perto de Mênfis a que os Egípcios
chamavam On ou Annu. Não surpreende, portanto, que o símbolo solar de Râ, o
Esplendor Alado, se tenha mantido na tradição hebraica e nas áreas afins do
Médio Oriente, como nos testemunha o profeta Malaquias, ao afirmar que «o Sol
de Justeza se erguerá com a salvação nas suas asas [ou: nos seus raios]»
(Malaquias 3, 20 [4, 2]).
Assim, o percurso solar ao longo do ano marca os «passos iniciáticos» do percurso de Cristo e, ao mesmo tempo, marca os pontos fulcrais da liturgia ao longo do ano, em referência às «provas» cíclicas por que tem de passar todo o ser humano na sua via evolutiva :
Quando o
Sol em 21 de Dezembro entra em Capricórnio (signo regido por Saturno, daí os Saturnalia), os poderes das trevas de
certo modo tomam conta do «Dador da Vida», mas dá-se o renascimento após os
três dias de «paragem» (sol-stitium =
sol + sistere, suster, parar), ou seja, o dia 25 marca o termo do «ciclo
solsticial». A partir do dia 26 de Dezembro inicia-se um segundo ciclo de
especial significado iniciático: entre o dia 26 de Dezembro (1.º Dia Sagrado) e
o dia 6 de janeiro (12.º Dia Sagrado) ocorria a preparação ritual dos
catecúmenos que eram baptizados no Dia de Reis (Primeira Iniciação). Estes
«Doze Dias Sagrados», que acompanham a fase inicial do renascimento do «Sol
Invencível», eram como que um resumo do ano zodiacal seguinte, e, tal como já
se referiu, estavam sob a protecção das Hierarquias Celestes que
tradicionalmente regem os 12 Signos do Zodíaco.
Aproveitemos
para mencionar, antes de prosseguirmos, a razão cosmográfica por que fica o Sol
«parado» aparentemente, durante três dias por ocasião dos Solstícios. Tem a ver
com as declinações, e não com as longitudes celestes.
Se
consultarmos as Efemérides planetárias verificaremos que de uma forma geral e
com pequenas variações de ano para ano, o Sol atinge a sua declinação-Norte,
máxima (cerca de 23º 26'-Norte) no mês de Junho entre os dias 20-24, e a sua
declinação-Sul, máxima (cerca de 23º 26'-Sul) no mês de Dezembro entre os dias
20-24. Como sabemos, a Astrologia funciona em projecção geocêntrica, e a
declinação dá-nos a maior ou menor angulação que o astro considerado faz com o
Equador, tal como visto da Terra. Assim, à medida que os dias se vão aproximando
de Junho, a declinação do Sol vai aumentando: passa de 0º em 21-22 de Março até
atingir um máximo de 23º 26' em 20-21 de Junho: então parece que fica «parado»
cerca de três dias nos 23º 26' (daí o verbo sistere,
que compõe «solstício»), uma vez que estamos a vê-lo em projecção geocêntrica
contra o fundo da Esfera Celeste, e a partir do dia 24-25 volta «para trás» e
os dias começam a diminuir. Em Agosto, por exemplo, já está nos 17º e depois
decresce para 16º, 15º, etc, até que chega novamente aos 0º, ou seja, o momento
em que «cruza» o Equador para passar do norte para o sul. Nesta «descida», os
0º ocorrem por volta de 22-23 de Setembro, e neste caso o dia é igual à noite
(Equinócio). Em Dezembro ocorre o mesmo fenómeno mas em sentido inverso: quando
chegamos ao dia 21 o Sol atinge a declinação-Sul máxima, e fica cerca de três
dias «parado» nos 23º 26', até que depois começa a «subir» e os dias vão
aumentando a pouco e pouco. Ou seja, no momento do Solstício atinge-se o máximo
de «nocturnidade», que dura (em projecção aparente) três dias, iniciando-se o
renascimento da Luz a partir de 24-25 de Dezembro.
Em
seguida o Sol passa por Aquário, ou Aguadeiro (chuvas; saturnino mas também
urânico). Quando chega a Peixes (regido por Júpiter), por altura sensivelmente
do Carnaval, é o «adeus à carne» (caro,
carnis, vale!), a Quaresma, o jejum, a alimentação a peixe: é um período
jupiteriano, ou jovial, mas também neptuniano ou de elevação espiritual, pois,
segundo a Astrologia clássica Neptuno, regente do signo Peixes, é o planeta da
Divindade, da consciência cósmica, das influências de entidades suprafísicas; é
a oitava superior de Mercúrio e o seu raio espiritual é o Azoth (termo técnico
designativo do 4.º princípio alquímico, o Espírito Todo-Abrangente), e representa
todos os Seres Superiores que ajudam a humanidade desde os planos invisíveis.
A
passagem do Sol por Carneiro (regido por Marte) simboliza o cordeiro Pascal,
marcial, morte na cruz, o ferro da lança de Longinus, é o momento do Equinócio
da Primavera (21-22 de Março: declinação de 0º) quando o Sol cruza o Equador celeste de Sul para
Norte, voltando a alumiar os céus setentrionais, dando-se assim a passagem para
Touro (regido por Vénus), símbolo do amor e da subida ao Reino dos Céus, ou
regresso à «Casa do Pai». Toda esta «liturgia» culmina em pleno no Ritual do
Solstício de Verão (21-22 de Junho), que já era celebrado nos antigos Mistérios
como festa das messes e das colheitas, e cujo exemplo literário mais conhecido
é o clássico de Shakespeare, A Midsummer Night’s
Dream, um grande festival esotérico das fadas e dos silfos, em que intervêm
o rei das fadas, Oberon, e a rainha das fadas, Titania. A liturgia cristã
associa este tempo ao festejo de S. João o Baptista, o Precursor (24 de Junho),
que antecede e anuncia o Solstício seguinte, o de Inverno, ou o Natal do
Cristo: daí as palavras de João o Baptista: «Fui enviado adiante d’Ele» (João
3, 28) e «Ele há-de crescer, e eu diminuir» (João 3, 30).
Por sua
vez a Páscoa cristã acabou por ficar definida, pela Igreja, de acordo com a
data adoptada pelas primitivas comunidades iniciáticas cristãs, e que envolve
uma relação Soli-Lunar: celebra-se no primeiro
Domingo após a primeira Lua cheia após o Equinócio da Primavera. Esta
relação, de um ponto de vista esotérico, era importante para simbolizar o
significado cósmico desse evento: o Sol e a Lua são igualmente indispensáveis,
pois não se trata apenas dum festival solar. O Sol tem de «cruzar» o Equador
(Crucificação), como o faz no Equinócio Vernal, mas a sua luz tem de se
reflectir na terra através da Lua cheia, antes que a Ressurreição (iniciática)
possa ocorrer. Isto significa que a humanidade ainda não atingiu o grau de
evolução suficiente para receber em pleno a «Religião do Sol», do Cristo-Logos
(Cristo Cósmico), ou seja, da «Irmandade Universal», e que ainda precisa das
Leis dadas pelas Religiões Lunares, diversificadas consoante as raças, nações,
etc.
Outras
comunidades, que haviam perdido o simbolismo oculto deste facto, adoptaram
outras datas, como por exemplo o regresso à «verdadeira» Páscoa histórica ou
Páscoa judaica, Pesach, no dia 14 do
mês de Nisan[1].
Isto gerou controvérsias que chegaram a durar até ao século VIII. A Igreja Ortodoxa oriental adoptou
uma data diferente da das Igrejas ocidentais, de modo que a Páscoa ortodoxa
pode umas vezes coincidir com a Páscoa católica e protestante e outras vez
ocorrer uma e até quatro ou cinco semanas depois.
Antes de
concluir, talvez valha a pena reflectir um pouco sobre alguma dúvidas que podem
assaltar as pessoas que vivem no hemisfério sul do planeta Terra, sobre se os
influxos ensinados por Max Heindel para o hemisfério norte também se lhes
aplicam, ou não, e em que medida. Aparentemente, o hemisfério sul do planeta
Terra não é «contemplado» nas alegorias associadas ao Rosacrucismo e à
Astrologia — e não só: o Hermetismo e a Cabala também estão vocacionados,
praticamente, para os céus do hemisfério norte.
Dois
aspectos têm de ser considerados: o aspecto diacrónico, ou o que se passou historicamente,
e o aspecto sincrónico, ou o que se
passa na actualidade.
(1) Historicamente: — Os diversos
esoterismos que surgiram e se desenvolveram ao longo da história, assentam nos
seguintes «corpos disciplinares»: Astrologia, Alquimia (Hermetismo), Magia e
Cabala. O Sol e a Lua, os sete planetas e as 12 signos zodiacais constituem,
naturalmente, uma antiquíssima matriz sobre a qual se construiu todo um sistema
vital para os seres humanos, atendendo à importância que tinha (e ainda tem!) o
conhecimento das estações, das chuvas, dos degelos, dos calores estivais, dos
eclipses, das hibernações, etc. etc., enfim, todos os fenómenos que se repetem
ao longo do ano e que afectam o «calendário», que importa conhecer para
controlar a continuidade de vida, quer vegetal quer animal. Ora as grandes
civilizações da história da humanidade desenvolveram-se no hemisfério norte:
China, India, Japão, Pérsia, Suméria, Assíria, Babilónia, Egipto, Frígia,
Grécia, Roma, Islão, etc., e até, além-Atlântico, os Maias, os Quichés, os
Aztecas, etc. (A única excepção é o império Inca, a sul do equador, destruído
no século XVI pelos Espanhóis).
As
Astrologias daqueles povos eram naturalmente muito semelhantes, e acabaram por
ser unificadas, de certo modo, depois das conquistas de Alexandre Magno (menos,
claro, as do continente americano que ainda não era conhecido...), passando
para o Ocidente por obra do famoso livro de Ptolomeu intitulado Tetrabiblos (séc. II d.C.). Não
surpreende, portanto, que tenha surgido toda uma ritualização dos fenómenos
celestes associada à religião e ao esoterismo: o Natal / Solstício de Inverno,
Páscoa / Equinócio de Primavera, etc, bem como os festivais de fertilidade, das
sementeiras, das colheitas, etc. associados aos fenómenos celestes,
soli-lunares, zodiacais, etc. A associação do Cristo ao «Sol de Glória», ainda
hoje corrente na Igreja católica, como vimos atrás, continua a ser um
testemunho disso, para além de muitas outras ocorrências que se encontram tanto
nas religiões de Mistérios como nos actuais esoterismos — rosacrucistas ou outros.
(2) Actualmente: — Antes da saga dos
Descobrimentos (séculos XV e XVI), as regiões do hemisfério sul, constituídas
por pouco mais do que uma parte da América do Sul, a metade inferior da África,
e a Oceânia, eram habitadas por povos proto-históricos com pouco ou nenhum
impacto civilizacional nas nossas culturas. Com a «colonização» dessas regiões
pelos povos do Norte, os mitos civilizacionais destes povos foram naturalmente
implantados no Sul, incluindo os ritos e as festividades associados não só à
religião, mas também aos mitos e aos ciclos astrológicos correlativos.
Entretanto, as regiões do Sul que de início eram apenas «extensões»
civilizacionais do Norte, foram assumindo progressivamente uma grande
importância, com as sucessivas independências e autonomização cultural de
países como a Argentina, o Brasil, o Chile, a África do Sul, Angola,
Moçambique, Austrália, etc. etc. — Como as estações se apresentam invertidas em
ambos os hemisférios — quando no Norte é Verão no Sul é Inverno, quando no Norte
é Primavera no Sul é Outono — cria-se uma situação relativamente estranha
nesses novos países do Sul, que naturalmente importaram os «mitos» do Norte
donde provieram, mantendo as datas, mas com aspectos contrários: o Natal, por
exemplo, é igualmente festejado no Norte e no Sul na mesma data, mas as
estações são diferentes.
Há no
entanto uma coisa que se mantém idêntica no Norte e no Sul, independentemente
da inversão das estações: é a DISTÂNCIA, maior ou menor, a que o Sol se
encontra da Terra. A Terra percorre uma elipse em torno do
Sol, ao longo do ano, e não uma
circunferência perfeita, e o Sol ocupa um dos focos dessa elipse. Por
altura do Solstício de Dezembro, o foco em que o Sol se encontra está mais
PRÓXIMO da Terra, fazendo portanto com que a Terra seja permeada mais
fortemente pela aura do Sol Espiritual, com o correlativo aumento do Fogo Sagrado inspirador de crescimento anímico nos seres humanos.
Inversamente, no Solstício de Junho, a Terra está no máximo AFASTAMENTO do Sol,
o que provoca uma diminuição de espiritualidade com o correlativa
intensificação e pujança de vitalidade física. Portanto, é perfeitamente
natural que a partir do Equinócio de Setembro, quando a espiritualidade áurica do Sol começa a aproximar-se e a vitalidade
física começa a esbater-se, as pessoas sintam, tanto no hemisfério norte como
no hemisfério sul, um certo afrouxamento do ponto de vista físico, e, em
contrapartida, uma maior propensão para o recolhimento interno, para a
introvisão e atracção pelo estudo dos mais profundos mistérios da vida.
Em
resumo, tanto no Norte como no Sul, ainda que as estações sejam opostas, os influxos quer físicos quer espirituais,
decorrentes da distâncial focal da
Terra ao Sol, são idênticos.
[1]
Esta data celebrava o facto de os Judeus, ao tempo em que estavam no Egipto,
terem sido poupados às forças da destruição do «Anjo Exterminador» que matou
todos os primogénitos egípcios, incluindo o filho do faraó. O Anjo disse ao
Judeus que fizessem nas suas portas uma marca com o «sangue do cordeiro», para
significar que eram filhos de Deus, e a devastação sobre o Egipto passou pelas
casas deles sem os afectar (Êxodo 12, 15-51).
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Nota do Editor:
António de Macedo, autor das "Paginas Esotericas" é probacionista filiado em The Rosicrucian Fellowship, associação fundada em 1909 por Max Heindel, na California, e não faz parte de outras organizações com denominações semelhantes.
Páginas Esotéricas por António de Macedo