Laboratório Mágico

 

Apelo às novas gerações

António de Macedo 

 

À guisa de conclusão sugiro que olhemos para o futuro, que é donde nos vem a inspiração e a luz para o presente. Li uma vez algures que uma boa chave de sucesso é sabermos que a vida acontece às pessoas que fazem planos.

De facto, fazer planos é organizar o futuro; é seleccionar com critério as sementes do amanhã.

Quando perguntaram a Diógenes por que pedia esmola a uma estátua, respondeu: «Para ganhar prática em não me darem nada»[1].

Esta atitude «cínica» pode ter a sua graça mas não é inofensiva: fecha todas as portas porque no DAR é que está a verdadeira felicidade, não no receber — já o dizia Jesus, conforme o Iniciado Paulo nos revelou.

E não só no dar; a maneira como se dá (nem que seja apenas uma boa notícia) é talvez ainda mais importante.

Permiti que vos conte uma história. No fundo, é apenas um pequeno exercício. Um exercício para treinar boa disposição. Antes porém de a contar gostaria de justificá-la com a seguinte nota: é muito importante que os outros se habituem a ver-nos como portadores de boas notícias. Há indivíduos que se tornam pesados porque têm um prazer simultaneamente infantil e perverso em se exibirem com más novas: «Já sabem quem morreu?» «Parece que o Governo quer aumentar os impostos!» «Imaginem que Fulano foi atropelado esta manhã!» «Queres apostar que esse trabalho todo vai dar em nada?» «A mulher de Cicrano fugiu com o farmacêutico!» — ou então: «Hoje estou com uma dor de cabeça insuportável!», género de coisa que certas pessoas adoram dizer todos os dias.

Às vezes, reconheço, é impossível não transmitir uma má notícia, quando tem mesmo de ser. De qualquer modo, se vamos ter com alguém façamos os possíveis, primeiro, por dar ênfase a alguma boa notícia e só depois despachemos as más, de preferência sem excessiva ostentação. As pessoas devem habituar-se a ver-nos como mensageiros de boas novas e não como aves agoirentas.

Aprendi isto à minha custa e desde bastante novo — e finalmente aqui vai a tal mini-história que acima prometi. Quando tinha os meus 15 ou 16 anos, andava no 5.º ano do liceu e dava explicações individuais a meninos do 1.º e do 2.º ano a fim de ganhar uns cobres que ajudassem às minhas pequenas despesas. Como possuía boa memória conseguia dar explicações de várias disciplinas, mas a que mais me agradava ensinar era Matemática. Ao fim de um ano de andar a puxar por um desses meninos, dirigi-me ao liceu para lhe ver as notas finais e em seguida fui transmiti-las ao pai e à mãe, que esperavam ansiosos em casa (nesse tempo as classificações eram de 0 a 20). Desastradamente comecei pelo 8 a Francês para ir crescendo através do Português, da Geografia, etc. até culminar em glória no 17 a Matemática. Julgava eu que o final em beleza é que era bom, mas logo me dei conta pela cara deles de que tinha errado. O 17 não produziu efeito nenhum porque a má impressão inicial já se não desfez. Devia ter começado ao contrário!

Isto ensina-nos não só a ser cautelosos como a compreender que cada dia que gastamos tem de ser usado da melhor maneira, mais expressiva, mais bela e enriquecedora, porque jamais regressa e não podemos emendá-lo.

Diz-nos a Daily Word, numa das suas «meditações diárias», que cada dia que se nos apresenta pela frente, novinho em folha, é para ser vivido em equilíbrio, pois foi para isso que Deus o fez, não obstante os desentendimentos, obscuridades e conflitos aos quais a nossa ignorância, impreparação ou falta de fé atribuem por vezes proporções avassaladoras, e absurdamente exageradas em relação ao nosso real potencial para desfazer tais fantasmas.

Importa, pois, sabermos gerir cada dia que vivemos de acordo com os conselhos do Eclesiastes («um tempo para cada coisa»), ou seja, devemos reparti-lo em descanso e exercício, em trabalho e divertimento, em aprender e em aplicar, em solidão e em sociabilidade, em silenciar e em ensinar…

É esta alternância inteligente e equlibrada da sístole e da diástole dos afazeres que torna o meu dia, e a minha vida, mais harmoniosos e mais produtivos, tanto material como espiritualmente.

Sei-o por experiência própria, sobretudo ao descobrir as insuspeitadas vitórias que afinal alcancei em todas as minhas batalhas perdidas.

Algumas das maiores dificuldades que tenho enfrentado na vida devem-se às incompatibilidades inerentes ao meu próprio carácter, fenómeno aliás que a maioria das pessoas arrasta como uma grilheta e as imobiliza em auto-conflito quando se apresenta o momento crucial de tomar a tal atitude decisiva.

No meu caso, por exemplo, percebi tardiamente que sou uma mistura de anarco-místico e de cavaleiro andante sedentário.

Primeiro, pareceu-me uma razoável maneira de ir andando nas nuvens até chegar um pouco mais longe, mas depois reconheci que essa discrepância, ou melhor, dissonância, poderia ser interessante em música pós-moderna mas na chamada «vida real» não é nada fácil de gerir.

Muito do que eu deveria ter feito e empreendido esfumou-se no fantástico reino dos sonhos em pé… Hoje sinto que poderia ter realizado muito mais e ter tido uma acção mais eficaz — e positiva — numa porção de coisas que acabei por não fazer porque as imaginei nas altitudes do inalcançável.

Jovens de hoje e de amanhã! Usai e abusai diluvianamente da vossa imaginação e acreditai nela, dai-lhe expressão activa, não a confundais com fantasia inoperante e não deixeis que outros façam o que pode e deve ser feito, correctamente, por vós. Dou-vos mais um exemplo:

Todos sabemos que os EUA são um país de história recente quando comparado com as fontes donde nos vem a ancestral sabedoria, o Egipto, a China, a Índia, o Tibete, as nações da velha Europa… Como é natural, a sua cultura começou por ser a das populações (europeias ou outras) que desde os séculos xvi e xvii desembarcaram no continente americano e o povoaram. Daí que os seus provérbios sejam, na quase totalidade, não só os ingleses mas também de outros povos antigos que se foram adaptando à língua e à mentalidade dos «States».

Todavia, os bons dos americanos, que muito tiveram de lutar e esforçar-se para construir aquele vasto e energético país, criaram um provérbio novo — creio que é o único tipicamente e originalmente americano! Reza assim:

«Se te deitas a dormir pensando que uma coisa é irrealizável, corres o risco de acordar com o barulho de alguém que a esteja fazendo».

Ora bem: não sei que melhor conselho vos possa dar. Nunca se deitem a dormir pensando que uma coisa é irrealizável: FAÇAM-NA!

Costuma-se dizer que um instrumento musical é, em si mesmo, uma coisa morta e silenciosa, que de súbito se torna viva e arrebatadora ao ser tocada por um músico de talento.

Se fordes artistas, não vos deixeis atrair e sugestionar pelo feio, como infelizmente está cada vez mais em voga. Buscai antes o Amor e a Beleza, para que o convívio entre as pessoas seja como um jardim de flores, e não como garras afiadas como tem sido.

Isto leva-nos a ter o maior cuidado com o fascínio que certas camadas das jovens gerações — sobretudo urbanas e dos países ditos «avançados» — têm pelos «cultos satânicos» em quanto forma de transgressão e rebeldia contra um estado de coisas que os sufoca e não sabem como correctamente combatê-lo, ou antes: dissolvê-lo e superá-lo. Não compreendem como utilizar a luz e optam por servir-se das trevas como arma e contra-arma de arremesso.

Essas atitudes exteriorizam-se em manifestações exibicionistas entre as quais se incluem, por exemplo, o corpse paint ou as músicas estilhaçantes da espécie black metal, ou death metal, ou heavy metal, ou power metal… ou ainda por meio de graffiti nas paredes das ruas, nas placas sinalizadoras, nas estações do metro, com traços agressivos e ângulos esquinados e súbitos, falsas runas que reproduzem — sem querer? misteriosa e invisivelmente incutidas? — certas fórmulas ritualísticas da Magia Negra…

Os poderes satânicos não são um exclusivo dos excessos do pós-racionalismo, são de sempre — e virá a talho de foice relembrar as palavras de um inspirado discípulo de Paulo:

«Porque não é nossa luta contra sangue e carne [semitismo para significar contra os mortais], mas contra os regentes, contra as autoridades, contra os mundanos senhores destas trevas, contra as forças espirituais da maldade nas regiões do invisível» (Efésios 6, 12).

Quereis observar como nas malhas do tempo se entretecem os urdumes da Negra Magia de todos os tempos?

Vede a chamada «lei de talião», que há 4.000 anos foi uma inovação democrática — sim, democrática!, pois tanto o príncipe como o plebeu que tirassem o olho a alguém recebiam ambos o mesmo castigo, sem distinção de castas — e que hoje é um despojo maligno dum sistema que Jesus veio revolucionar e arejar. Seja às claras, seja de modo velado, a punição retaliativa continua a fazer parte de muitos segmentos dos códigos penais. Se alguém usa mal a sua liberdade, tira-se-lhe a liberdade; se alguém mata alguém, aplica-se-lhe a pena de morte. Com a agravante de que a pena de morte, por exemplo — e era aqui que eu queria chegar —, é um disfarçado acto de Magia Negra que usa o derramamento do sangue para «esconjurar o inimigo», na ignara presunção de que esse acto dissuade o futuro ou potencial criminoso.

Puro engano! O resultado que se obtém é na verdade o oposto: como qualquer acto de Magia Negra, salda-se por um «choque de retorno» que cai redobradamente sobre quem o praticou ou ordenou.

De um ponto de vista esotérico, qualquer estudante do oculto sabe que a pena de morte é uma sementeira de influenciadores do mal, pois o espírito criminoso e mal-formado que foi obrigado a partir violentamente sem se redimir, procurará por todos os meios, desde as baixas camadas dos reinos invisíveis, actuar de forma maléfica sobre as mentes e as psiques frágeis que ainda estão neste mundo, e pode fazê-lo tanto mais facilmente pois se encontra liberto das pesadas amarras do corpo físico, o qual apesar de tudo constitui uma barreira e um limite para o alcance físico do mal. É um facto reconhecido que nos países onde a pena de morte se aplica a criminalidade aumenta.

Infelizmente a lei judaica do «olho por olho, dente por dente» ainda permanece muito enraizada na persona de grande parte das pessoas, mesmo das cristãs, não obstante terem decorrido dois milénios desde os ensinamentos de Cristo Jesus sobre a Graça e o Perdão.

Isto é muito óbvio nos filmes e nas séries televisivas, em que há sempre um «mau da fita» que comete as piores atrocidades deixando o espectador cheio de raivas e furores contra ele, esperando que o «herói» no fim se vingue e «mate» o vilão para devido «castigo». No momento «delicioso» em que o vilão morre finalmente às mãos justiceiras do herói, o público consumidor tem como que um orgasmo personalístico, a tensão descarrega-se e os espectadores ficam aliviados e todos contentes: «O Bem triunfou sobre o Mal!» — Mentira, não triunfou nada, foi exactamente o contrário: com a vingança redobrou-se a densidade das emoções negras, a espiral do mal fortaleceu-se e acentuou-se. É o Antigo Testamento, insidiosamente, a não deixar emergir o Novo, com as artimanhas que os mass media lhe proporcionam. Cada vez que um espectador ou um telespectador exulta com a «vingança final» num filme ou num telefilme destes, está a regredir 2.000 anos na Senda da Evolução.

Felizmente há cada vez mais pessoas a compreendê-lo e já começam a brotar com firmeza e consciência reacções cristãs exemplares; vou relembrar-vos um caso frisante:

Quando as Twin Towers do World Trade Center, em Nova York, e uma parte do edifício do Pentágono, em Washington, foram barbaramente destruídas em 11 de Setembro de 2001 pelo ataque terrorista que deixou a América e todo o mundo em choque, a reação do Governo americano e das suas altas chefias militares foi logo: retaliar.

Impressionantemente, passadas as primeiras ondas de horror e emoção, e mal se esboçava uma infeliz, absurda e errónea tendência para suscitar um cofronto entre a Cristandade e o Islão, o povo americano compreendeu que uma guerra de retalição seria inútil e só criaria mais vítimas inocentes. Foi então um espectáculo maravilhoso e extraordinário ver multidões nas ruas das cidades americanas contra a guerra, exibindo cartazes a condenarem a política de morte dos governantes e a exigir que se distinguisse entre «justiça» e «vingança», e ouvi-los entoar e repetir a milhares de vozes este slogan, em unísono:

 

Eie for eie,

Makes the world blind! [2]

 

Isto é verdadeiramente cristão.

Correndo o risco de vos chocar, dir-vos-ei que estou sinceramente convicto que a melhor forma de convívio entre os humanos é o comunismo. Mas atenção! O verdadeiro comunismo não foi o proposto por Marx e Engels e levado à prática por Lenine, Staline ou Mao-Zedong.

Refiro-me ao comunismo pregado e praticado por Cristo.

Um comunismo espiritual em que todos nós, mulheres e homens, somos irmãos por igual e filhos Bem Amados do Divino Pai; um comunismo novo como Cristo o apregoou, o do Reino de Deus, o das comunidades (as ekklêsiai do primeiro século) conhecedoras do que autenticamente têm de comum e as une: o estímulo do calor e da pura amizade, a vocação iniciática, o espírito universal de amor de todos por todos, sobretudo pelos carentes e pelos que sofrem, a incondicional confiança no eterno Amor do Pai — ou no Eterno Pai de Amor.

Jesus atreveu-se, na Sua época, a dar-nos ensinamentos e exemplos para superar e dissolver todos os focos de intolerância, de fanatismo, de egoísmo, de sede do poder… Por isso o mataram. Consentiremos que a Sua morte tenha sido em vão?

 

Se a Cruz do Calvário é o clímax duma vida, que foi acção, luta, projecto e determinação, […] penso que Jesus morreu daquela maneira para que o homem que nele acredita mate em si aquilo que o levou à morte. Ele morreu para matar aquilo que o matou, e aquilo que o matou foram as opressões religiosas e políticas, os determinismos e os mecanismos dos poderes religiosos e políticos que serviam um status quo de interesse pessoal e institucional, de segurança pessoal e institucional, de autocontemplação e auto-suficiência, que não se compadece com quem os perturba e os inquieta. Jesus morreu porque mexeu profundamente e radicalmente na questão do poder. (J. Carreira das Neves, Jesus Cristo - História e Fé, 1989, pp. 268-269).

 

Jovem: se és daqueles que crêem na reencarnação ou no renascimento em sucessivas vidas terrenas, talvez não percas o teu tempo se meditares nesta «mensagem alquimística» que um dia alguém enviou — e que outro alguém (ou o mesmo?) recebeu:

 

Há uma voz no nosso íntimo que grita silenciosamente, sem descanso, ainda que muitas vezes a não queiramos ouvir:

«Tens o dever de criar um mundo melhor. Dizem-nos os livros que um mundo melhor é um mundo mais livre de injustiças, de crueldade, de corrupção, de carências materiais e espirituais de toda a sorte. Que importa isso se morrerei amanhã? — replica o teu personalismo egoísta. Seja qual for a idade que tenhas, faz sempre a sementeira. Lavra terrenos. Aprende a reconhecer as ervas daninhas. Arranca-as. Injustiças, frios, desigualdades, uivos de lobos predadores. Lembra-te que não é apenas para os teus filhos e netos que semeias e purificas. VOLTARÁS A ESTA TERRA UM DIA, NO FUTURO. E sem dúvida saborearás então o resultado do teu esforço de hoje. Que esse esforço dê frutos de bom alimento, e doces. Caso contrário, amargá-los-ás. Cuidado, pois, com o que modelas, agora, com as tuas ideias, as tuas vontades, as tuas paixões, as tuas palavras e as tuas mãos. Será esse o presente que ofereces ao futuro e com ele terás de conviver — quando o futuro te for presente».

 

Chegados ao termo da nossa jornada, não quero concluir sem vos deixar mais um exemplo — desta vez poético — de positiva esperança. É uma história que nos vem do Extremo Oriente e que o instrutor rosacruciano Edmundo Teixeira — que tanto me apraz citar! — contava aos meditantes que o liam. Inspira-se num episódio muito simples ocorrido com o grande poeta japonês Matsuo Bashô (1644-1694) que se celebrizou na composição do haiku, forma breve de poesia de três versos e dezassete sílabas. Um dos discípulos de Bashô compôs o seguinte haiku :

 

Uma libélula rubra.

Tirai-lhe as asas:

uma malagueta.

 

O mestre Bashô deu-lhe uma lição de sabedoria positiva invertendo a ordem dos versos:

 

Uma malagueta.

Colocai-lhe asas:

uma libélula rubra.

 

Edmundo Teixeira comentava: uma libélula perder as asas e reduzir-se a uma malagueta é uma ideia negativa e pessimista, é o retrocesso do reino superior ao inferior. Mas uma malagueta, ou uma lagarta vermelha, transformar-se em libélula é uma libertação, um desabrochar e uma ascensão ao céu infinito, que é a meta de toda a obra divina. Também na vida encontramos pessoas com os dois tipos de disposição: os que acham que tudo lhes corre para trás e os que não recuam perante o esforço de subir, nem que seja começando por um pequenino degrau. E rematava: O que preferem? Descer ou subir? A vossa escolha decidirá do fracasso ou do êxito das vossas vidas…

Um autor místico que escolhera o anonimato escreveu um dia:

«Não importa qual seja a minha prece: Deus não só lhe responde, como é a própria resposta».

Pessoalmente, sei que isto é verdade. Por um singular concerto de circunstâncias, durante os dois anos que levei a escrever este livro fui triturado por sucessivas vagas de tribulações das mais pesadas que tenho sofrido na vida. No entanto, quando nos piores momentos me apetecia gritar, exausto: Pai por que me abandonaste?, uma voz silenciosa mas enérgica sustinha-me e dizia-me: Espera.

E a espera não foi vã.

Só precisava de olhar na direcção certa — e Deus estava lá.

Aqui.

Isso posso afirmar-vos, com toda a sinceridade e com todas as forças da minha dor e da minha alegria:

DEUS NUNCA NOS ABANDONA.

 

-----ooOoo-----

 


[1] Diógenes Laércio, Vidas de Filósofos Eminentes VI, 49.

 

[2] «Olho por olho,

Faz o mundo cego!»

 

O Filósofo Meditando , Rembrandt van Rijn (1606-1669)

 

Fundo Musical: Schumann, Traumerei

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